quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O SANTO DA DISCÓRDIA

Festa do Campestre, Santa Maria (início do século XX)
A foto acima mostra um dos momentos da Festa de Santo Antão, no Campestre, interior de Santa Maria. O santo carregado pelos fiéis é o que foi construído pelo monge italiano João Maria de Agostini em 1848 - segundo a minha hipótese, como autorretrato. A imagem de Santo Antão foi destruída por um incêndio em 1951, junto com a ermida no alto do cerro. Em seu lugar foi feita uma réplica, cópia que respeitou as características originais (foto abaixo) segundo afirmou o iminente historiador santa-mariense Romeu Beltrão.

Réplica da imagem original de Santo Antão, feita em 1951.
No interior da igreja do Campestre está outra representação de Santo Antão, de acordo com a imagem clássica difundida pela Igreja Católica: homem idoso, barbas grisalhas, segurando um bastão com sino na ponta e Bíblia na mão direita. Está ladeado por um porco (animal de muitos significados na tradição católica). Duas imagens para um só santo....

No último domingo (dia 20 de janeiro de 2013), alguns moradores do Campestre disseram que a imagem original trazida (ou construída) pelo monge Agostini havia sido "roubada" por volta de 1940 e levada para a comunidade de Santo Antão, distrito de Júlio de Castilhos, distante do Campestre 30 km. Perturbado por esta dúvida, parti para o tal distrito e me deparei  com a seguinte representação do santo:
Santo Antão, distrito de Santo Antão (Júlio de Castilhos/RS)
Outro comentário dos moradores do Campestre é que o santo "roubado" tinha uma abertura nas costas, talvez para guardar chaves ou dinheiro de santo Antão. Como se pode notar na foto abaixo, não há abertura alguma, o que sugere alguma confusão nos depoimentos. 
Verani da Rosa observa enquanto fotografo o santo
 Os habitantes do distrito de Santo Antão, em Júlio de Castilhos, nada sabem sobre esta história de "santo roubado". Segundo a versão que pude alcançar ouvindo as pessoas do lugar, quem doou a imagem foi o sr. Salvador da Rosa Neto, fervoroso devoto de santo Antão, por volta de 1940. Salvador da Rosa Neto (ex-vereador em Júlio de Castilhos) era neto (desculpem a redundância) de Salvador da Rosa Garcia, ninguém mais ninguém menos que o primeiro procurador de santo Antão no Campestre, nomeado diretamente pelo monge João Maria de Agostini em 1848. Ou seja, a devoção a santo Antão passou de geração em geração e fez da família Rosa uma das mais prestigiadas da região.

 Acontece que com a chegada de imigrantes italianos no final do século XIX esta história mudou. Os italianos e seus descendentes passaram a administrar a capela, a ermida e a romaria do Campestre, relegando os antigos moradores a papéis secundários. Não por nada que a família Rosa mudou-se do lugar indo habitar o Rincão dos Mellos, interior de Júlio de Castilhos, já no ano de 1890. As rivalidades entre os "brasileiros" e os italianos fez com que a devoção a santo Antão se espalhasse pela região e não se restringisse tão somente ao Campestre.

O sr. Salvador da Rosa Neto, acompanhado por extensa família, frequentou durante décadas a romaria no cerro do Campestre, até que introduziu a devoção (com imagem) em 1940 no povoado em que morava, passando a se chamar comunidade de Santo Antão (distrito de Júlio de Castilhos). Dos mais velhos moradores do distrito de Santo Antão ouvi que sempre fora aquela a estátua do santo, nunca houve outra. Portanto, não parece ter havido "roubo" segundo a versão perpetuada no Campestre, talvez rivalidade entre antigos e novos devotos do santo. E se aconteceram disputas, foi pela imagem "clássica" de santo Antão e não pela estátua feita pelo monge em 1848. 

PS: Ah, antes que eu esqueça: ao levantar estas polêmicas, nunca tive a intenção de tentar mudar a fé de ninguém, só permitir às pessoas o acesso às informações. Agora, o que elas fazem com estas informações é outro assunto.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

AUTORRETRATO DO MONGE

Antão do Campestre de Santa Maria, RS.
Acredita-se que a imagem que se encontra na pequena ermida no alto do Cerro do Campestre, próximo ao município de Santa Maria (RS), é de santo Antão Abade, trazida ali pelo monge João Maria de Agostini em 1848. Contudo, há uma dúvida perturbadora: seria mesmo aquela estátua uma representação do santo anacoreta que viveu no Egito entre os séculos III e IV da era Cristã?


 

Antão segundo iconografia católica

 Na iconografia da Igreja Católica, santo Antão (que na Itália é chamado de santo Antônio, o Grande, para diferenciar do franciscano santo Antônio de Pádua) geralmente é representado como um idoso, de longas barbas brancas, carregando cajado de peregrino (bordão em forma de "T"), Bíblia que emana o fogo da sabedoria divina tendo a seus pés um porco (às vezes um javali). Reparem na imagem ao lado.






Agostini, com 60 anos de idade.
O monge João Maria de Agostini era italiano, portanto, devia conhecer as inúmeras representações existentes do santo nas igrejas da Itália. Mas no Campestre das "águas santas" resolveu criar uma estátua inovadora, ou pelo menos não usual na iconografia católica: de tonsura à moda franciscana, Antão aparenta não ter mais de 50 anos, pois está de barbas e cabelos escuros. Faltam a Bíblia, o porco, o bordão e o sino. Mais parece um frade franciscano do que o próprio Antão. Ao que tudo indica, na falta de um modelo, o próprio Agostini deve ter servido de inspiração para a fabricação da estátua, portanto, Antão do Campestre seria o autorretrato do monge italiano.



Antão, em pose clássica
Para encerrar, também é possível supor que a estátua de santo Antão (a atual é uma réplica feita após um incêndio na ermida em 1951) foi fabricada por João Maria de Agostini, hábil artesão de imagens santas segundo testemunhos que o conheceram. Então, toda vez que olharmos para santo Antão no Campestre, talvez vejamos ali o autorretrato de outro santo, o popular Monge João Maria.